Clara

O R. é um bebé de Verão, e o passeio a pé nas noites quentes, era quase obrigatório no ano em que nasceu. Numa dessas noites, não muito longe aqui de casa, vimos uma menina com os seus dois anos, junto a uns contentores à beira da estrada, a brincar com um cão minúsculo. Chamou-nos a atenção. Olhamos em volta à procura de um pai, uma mãe, um adulto que estivesse a tomar conta. Ninguém. Nem nas janelas. Aproximá-mo-nos e perguntamos-lhe o nome, se estava sozinha, com quem estava... Disse-nos que a avó estava no café. Aqueles contentores estavam longe do café mais próximo, nem se avistavam. Na conversa, fomos encaminhando a Clara para a praça onde estava o café, muita gente e crianças a brincar. Procurávamos alguém que andasse preocupado à procura da menina, alguém que gritasse o seu nome. Ninguém. Olhávamos um para o outro, incrédulos. Daí a nada ouvimos gritar Clara! e na esplanada, de cigarro nas mãos e muito descontraída, estava a avó "Ah, sim, ela anda por aí a brincar!", disse-nos. 

De tempos a tempos, lembramos aquela menina, toda aquela situação que nos afligiu tanto, a nós, acabados de ser pais e a querer proteger o nosso bebé de tudo e todos. Como é que era possível uma menina de dois anos andar ali sozinha, sujeita a ser raptada, abusada, atropelada?!

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Hoje fomos ao parque aqui perto de casa, e a Clara apareceu. Sozinha, vestido branco, muito curto, casaco de ganga, lábios estupidamente pintados de vermelho. Foi meter conversa com o R., não demorou muito para que o agarrasse aos beijos (para seu espanto, para nosso espanto), despiu o casaco em jeito sedutor (se é possível numa menina de seis anos) e disse-lhe que era para ele ver como estava bonita... Ele franziu o sobrolho e foi andar de baloiço. Ela foi-se embora, a ajeitar o vestido, sozinha...

Clara...