outubro 30, 2013

Eu (in)compreendo!

Psicóloga que sou, tenho uma grande tendência para a compreensão, para tentar ver o que está por trás do comportamento, ou o que motivou determinada reacção. 
Eu compreendo que o meu vizinho esteja constantemente aos gritos com os filhos, porque sei que ele ficou viúvo e vive com uma doença terrível, é natural que a paciência seja algo que lhe escape. Eu compreendo que a minha colega do lado seja muito sizuda, pouco social, porque é uma pessoa muito insegura com a sua imagem e esta é a sua defesa. Eu compreendo que um patrão perca as estribeiras com um funcionário, quando percebe que a perda daquele negócio dita o inicio do fim daquela empresa. Eu compreendo o estalo de uma mãe a um filho, na rua, depois de um dia, vários dias, num trabalho desmotivante e mal pago. Eu até tento compreender um abusador, quando sei que toda a sua infância foi pautada por abusos... Eu compreendo, eu tento compreender, mas não desculpo, não desresponsabilizo. 

Quando sei que alguém manteve uma criança em cativeiro, na mala do carro, durante dois anos, os seus primeiros anos de vida, eu não desculpo. Quando penso nas noites de frio, nos dias de calor, na fome que aquela criança deve ter passado, eu não desculpo. Quando imagino aquela criança a despertar para uma vida de cheiro nauseabundo, desconforto total e escuridão completa, eu não desculpo. Quando imagino o desespero, a solidão, o medo, que sempre fizeram parte da vida daquela criança, eu não desculpo. Quando tento imaginar como é que alguém conseguiu sobreviver a tamanha barbaridade, eu não desculpo. Quando penso, como é que alguém foi capaz de viver a sua vida normal durante dois anos, perante o marido, os filhos, a comunidade, sabendo que tem uma filha naquelas condições, eu não desculpo. 

Mas quando oiço, uma advogada - a de defesa, claro- dizer que aquela criança deve voltar para aquela mãe, assim como os seus outros três filhos, e devem reunir-se todos como uma família, eu não compreendo! Que considere que a senhora tem problemas psicológicos muito graves, que seja essa a sua estratégia de defesa, que queira remeter a sua cliente para tratamento, eu compreendo... Mas que considere, em plena consciência, que esta senhora que é mãe apenas porque transmitiu o seu ADN e carregou uma criança durante nove meses no ventre, aparentemente, sem ter conhecimento (!), e que a maltratou de uma forma terrível, que lhe causou um sofrimento inimaginável, e a privou de ter uma vida digna de uma criança feliz... EU NÃO COMPREENDO!!!